quarta-feira, 28 de março de 2012



Coragem e covardia siamesas.

Coragem abissal de me jogar neste amor e a falta dela para desistir.
Coragem de, parafraseando Caio, não ter vergonha de ser capaz de sentir e a falta dela para questionar se você sente.
Coragem de voar alto, na ilusão de estar seguramente acompanhada, e a falta dela para ficar só, no chão.
Coragem de ficar exposta às tempestades dos momentos e a falta dela na calmaria da tua silenciosa ausência .
Coragem de enfrentar os medos da vida e a falta dela para abrir uma mensagem tua.
Coragem de aceitar qualquer convite e a falta dela para te fazer um convite.
Coragem para te amar sozinha e a falta dela para deixar de te amar sozinha.
Coragem para te dizer sempre sim e a falta dela para te dizer e ouvir um não.
O meu amor, corajosamente, te implora e você, covardemente, não ouve.
Coragem de viver e, neste aspecto, a falta dela não é minha siamesa.
Você foi/é, a mais corajosa covardia da minha vida.


Ana  Dal

domingo, 25 de março de 2012




"(...) Saber desistir. Abandonar ou não abandonar —
esta é muitas vezes a questão para um jogador.
A arte de abandonar não é ensinada a ninguém.
E está longe de ser rara a situação angustiosa,
em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando.
Serei capaz de abandonar nobremente?
Ou sou daqueles que prosseguem teimosamente
esperando que aconteça alguma coisa?"


Clarice Lispector in Um sopro de vida

"Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação."


Clarice Lispector in A paixão segundo GH

sexta-feira, 23 de março de 2012


"Quando se deseja realmente dizer alguma coisa, as palavras são inúteis. Remexo o cérebro e elas vêm, não raras, mas toneladas. Deixam sempre um gosto de poeira na boca – a poeira do que se tentava expressar, e elas dissolveram. Quanto mais palavras ocorrem para vestir uma idéia, mais essa idéia resiste a ser identificada. As sucessivas roupas sufocam a sua nudez. E todas as palavras são uma grande bolha de sabão, às vezes brilhante, mas circundando o vazio.
Ah, se eu pudesse escrever com os olhos, com as mãos, com os cabelos – com todos esses arrepios estranhos que um entardecer de outono, como o de hoje, provoca na gente."



CaioFAbreu in Limite Branco

sexta-feira, 16 de março de 2012




"Coragem, às vezes, é desapego. É parar de se esticar em vão para trazer a linha de volta. É permitir que voe sem que nos leve junto. É aceitar que a esperança há muito se desprendeu do sonho. É aceitar doer inteiro até florir de novo. É abençoar o amor, aquele lá, que a gente não alcança mais."


Ana Jácomo

quinta-feira, 15 de março de 2012



"Sentia- se pequenino, só, perdido dentro do cobertor, aquele tremor que não era frio nem medo: uma tristeza fininha como as agulhas cravadas na perna dormente, vontade de encostar a cabeça no ombro de alguém que contasse baixinho uma história qualquer."



CaioFAbreu in Limite branco



"Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que fazem os caminhos
Em Deus, em ti, de novo
...
Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa..."



Mario Quintana

quarta-feira, 14 de março de 2012




"Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro..."


CaioFAbreu in Morangos Mofados

terça-feira, 13 de março de 2012




"A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã, em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Que aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Tenho me carregado tão perdido e pesado pelos dias afora”.


CaioFAbreu in Inventário do Ir-remediável



"...em cada fim de noite me sinto um lixo. Há tempos estou vivendo uma estória-de-amor-impossível que rebenta a saúde: sei que não dá pé de jeito nenhum e não consigo me libertar, esquecer"



CaioFAbreu in carta a Hilda Hilst

segunda-feira, 12 de março de 2012



Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.



Hilda Hilst in Amavisse

domingo, 11 de março de 2012



"O que acontece comigo é que eu tinha andado de braços fechados. Sem perceber. Analisando meus sonhos, ultimamente, isso tem ficado tão claro. E eu não quero mais. Ainda não sei como chegar lá..."



CaioFAbreu in carta a Maria Adelaide Amaral



"...amor existe mesmo? Ou só existe o permanecer de braços abertos, como no sonho de Luisa (esse sonho podia perfeitamente ser meu), pronto(a) a receber alguém que nem sequer chega a tomar forma? E quando alguém, no plano real, toma forma, a gente imediatamente projeta toda aquela emoção presa na garganta do sonho. E fatalmente se fode, porque está tentando adequar/ajustar um arquétipo, uma imagem de toda a nossa infinita carência, nossa assustadora sede, a uma realidadezinha infinitamente inferior.
Eu não sei."


CaioFAbreu in carta à Maria Adelaide Amaral



"O que seria uma verdadeira história de amor? Quem sabe uma história onde os fatos reais de alguma forma pudessem ser mais intensos, profundos e apaixonantes do que tudo aquilo que acontece na imaginação, paralelamente à realidade?"


CaioFAbreu no prefácio de Luísa (Quase uma história de amor), de Maria Adelaide Amaral

sábado, 10 de março de 2012




"Quase não suportando a si mesmo de tanto amor represado, saía no corredor e dava um berro para o primeiro que visse. As paredes quase oscilavam, e ninguém, mas ninguém percebia que a sua raiva era muito amor bem disfarçado, para que ninguém risse, para que ninguém o olhasse surpreso com a grandeza de seu coração."


CaioFAbreu in Inventário do ir-remediável

quinta-feira, 8 de março de 2012




"...ouvi no rádio uma música que parecia conhecida. Dizia qualquer coisa como "a realidade não importa, o que importa é a ilusão", no que eu concordava plenamente. Pelo menos nos últimos meses, não me acontecera nada além de fantasias."


CaioFAbreu in Onde andará Dulce Veiga?



"Eu deveria cantar.
Rolar de rir ou chorar, eu deveria, mas tinha desaprendido essas coisas. Talvez então pudesse acender uma vela, correr até a igreja da Consolação, rezar um Pai Nosso, uma Ave Maria e uma Glória ao Pai, tudo que eu lembrava, depois enfiar algum trocado, se tivesse, e nos últimos meses nunca, na caixa de metal "Para as Almas do Purgatório". Agradecer, pedir luz, como nos tempos em que tinha fé."


CaioFAbreu in Onde andará Dulce Veiga?

quarta-feira, 7 de março de 2012





MULHER...
Que me trouxe à vida...
Que me mostrou a vida...
Que me contou da vida...
Que me ensinou viver a vida...
Que me amou em vida...
e que eu amo além da vida...

segunda-feira, 5 de março de 2012




"Ela apertou um botão e, de um gravador, começou a sair a voz de Nara Leão cantando These Foolishing Things: coisas-assim-me-lembram-você. Ela veio meio balançando ao som do violão e convidou-o para dançar, um pouco mais. Ele aceitou, só um pouquinho. Ele fechou os olhos, ela fechou os olhos. Ficaram rodando, olhos fechados. Muito tempo, rodando ali sem parar. Ele disse:
― Eu não vou me esquecer de você.
Ela disse:
― Nem eu."



CaioFAbreu in Mel & Girassóis



"Caminhavam assim, lembrando juntos letras de bossa-nova. Ela imitava Nara Leão: se-alguém-perguntar-por-mim. Ele, Dick Farney: pelas-manhãs-tu-és-a-vida-a-cantar. Nada sabiam de punks, darks, neons, cults, noirs. Eram tão antigos caminhando de mãos dadas naquela areia luminosa, macia de pisar quando os pés afundam nela lentamente. Carne de lagosta, creme, neve. Tão bom encontrar você, um cantinho, um violão."


CaioFAbreu in Mel & Girassóis

domingo, 4 de março de 2012





"A salvação opera nos abismos.
Na estação indescritível,
o gênio mau da noite me forçava
com saudade e desgosto pelo mundo.
A relva estremecia
mas não era pra mim,
nem os pássaros da tarde.
Cães, crianças, ladridos,
despossuíam-me.
Então rezei: salva-me, Mãe de Deus,
antes do tentador com seus enganos.
A senhora está perdida?
Disse o menino,
é por aqui.
Voltei-me
e reconheci as pedras da manhã."



Adélia Prado



"Depois, penso também naquele quase velho poema do John Lennon: “I don’t believe in yoga/ I don’t believe in mantra/ I don’t believe in God/ I don’t believe in Freud/ I don’t believe in drugs/ I don’t believe in sex/ I don’t believe in Beatles” e termina com um acorde profundo de guitarra e um “I just believe in me”. Mas nem isso."



CaioFAbreu in Carta a José Márcio Penido

sexta-feira, 2 de março de 2012




A vida, apenas se sonha
que é plena, bela ou o que for.
Por mais que nela se ponha
é o mesmo que nada por.

Pois é certo que o vivido
- na alegria ou desespero -
como o gás é consumido...
Recomeçamos de zero.


Ferreira Gullar

quinta-feira, 1 de março de 2012





"Dentro de mim, não consigo deixar de pensar que há alguma espécie de sentido. E um depois. Quando penso nisso, é então como se alguém dançasse sobre esses intermináveis telhados dentro de mim. Sobre os telhados cinzentos alguém vestido inteiro de amarelo. Não sei por que exatamente amarelo, mas brilha. O vento faria esvoaçar seus panos e cabelos. Num grande salto aberto, esse alguém que dança alcançaria a janela abrindo-a com um leve toque das pontas dos dedos. Quase sempre tenho certeza que deve ser você."



CaioFAbreu in Luz e Sombra - Morangos Mofados



"É pau, é pedra, é o fim do caminho...
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração"


Tom Jobim


"Que a chuva caia como uma luva
Um dilúvio um delírio
Que a chuva traga alívio imediato
Que a noite caia de repente caia
tão demente quanto um raio
Que a chuva traga alívio imediato"


Humberto Gessinger