segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
"Aqui está a minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está a minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento.
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está a minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento."
Cecília Meireles
domingo, 26 de fevereiro de 2012
"Na cozinha, lavando pratos, lembro muito de minha mãe — compreendo tanto mais ela, agora. Compreendo tudo muito mais. Dói e é incômodo. Vontade de não saber perdoar, de não ser compreensivo tolerante — de não me contentar com o pouco — “amor malfeito, depressa, fazer a barba e partir”.
CaioFAbreu in carta à Vera Antoun
sábado, 25 de fevereiro de 2012
"A verdade é que não me sinto capaz de nada. Não é fossa. Fossa dá idéia de uma coisa subjetiva e narcisista. São motivos bem concretos, que inclusive transcendem o plano pessoal. E tudo tão insolúvel que a gente só pode fugir, porque ficar não adianta nada. A minha maneira de fugir, tu sabes, é dormindo"
CaioFAbreu in carta a Hilda Hilst
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
"Li reli tresli milli tua carta. Sabe a vontade que eu tive? De tomar um
avião (ou mesmo as minhas asas) mandar tudo pros quintos e chegar de novo aí no Leme subir os degraus da porta de entrada entrar no elevador apertar a campainha te ver de novo e depois não sei..."
CaioFAbreu in Carta à Vera Antoun
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Uma vez amei, julguei que me amariam. Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão — Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva, E sentando-me outra vez à porta de casa. Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
Alberto Caeiro
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
"E eis que a luta finda. Eu cedo. Novamente as coisas se dissolvem e torno a escorregar para dentro de mim. Mas estar em mim já não é vasto. Minha extensão reduziu-se a este círculo acinzentado que é meu pensamento. Minha extensão é tão mínima que sufoco dentro dela. Tudo se resume a esta extensão. Não há mais nada fora de mim. Impossível a fuga."
CaioFAbreu in Itinerário - O inventário do Irremediável
" ...acabou pensando nela como jamais imaginara que se pudesse pensar em alguém, presentindo-a onde não estava, desejando-a onde não podia estar, acordando de súbito com a sensação física de que ela o contemplava na escuridão enquanto ele dormia... de maneira que na tarde em que sentiu seus passos resolutos no tapete de folhas amarelas da pracinha custou a crer que não fosse outro embuste da sua fantasia "
Gabriel Garcia Marques in O Amor nos tempos do Cólera
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
“Uma noite, houve um incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram consumidos os seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos um por um [...]
Felizmente, ninguém tinha morrido – diziam em redor. Como não tinha morrido ninguém? , pensavam as crianças. Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos amorosos das crianças, ali deixados.[...]
E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós, brinquedos que somos, talvez de anjos distantes!"
Cecília Meireles in Brinquedos Incendiados.
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