domingo, 25 de novembro de 2012



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim.
já tão longe de ti, como de mim.
Perde-se a vida, a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria
Não perturbes a paz que me foi dada
Ouvir de novo a tua voz, seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

quinta-feira, 22 de novembro de 2012






Deixa que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique, deixe
que nossas línguas se toquem, e as bocas
e a pele falem seus líquidos desejos.

Deixa que eu te ame sem palavras
a não ser aquelas que na lembrança ficarão
pulsando para sempre
como se amor e vida
fossem um discurso
de impronunciáveis emoções.
 



Affonso Romano de Sant'Anna in Intervalo Amoroso

 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

 
 
 
 



E só me veja
No não merecimento das consquistas.
De pé. Nas plataformas, nas escadas
Ou através de umas janelas baças:
Uma mulher no trem: perfil desabitado de carícias.
E só me veja no não merecimento e interdita:
Papéis, valises, tomos, sobretudos
 
Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar
de púrpura e desgosto, vendo através de mim
navios e dorsos).
 
Dorsos de luz de águas mais profundas. Peixes.
Mas sobre mim, intensas, ilhargas juvenis
Machucadas de gozo.
 
E que jamais perceba o rocio da chama:
Este molhado fulgor sobre o meu rosto.



Hilda Hilst in Cantares do sem nome e de partidas

 

domingo, 11 de novembro de 2012



A Vida

 É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!... 

 


Florbela Espanca, in Livro de Sóror Saudade