sábado, 9 de março de 2013




"Quem nunca viu o dia cinzento numa manhã de sol raiante? Quem de nós não quis correr daqui para algum lugar muito distante? Um lugar sem início, sem fim, onde apenas o “meio” acontecesse, um tempo de agora. Um espaço preenchido, que parasse de contra correr. Um tempo de nunca mais ir embora. Mas quando sinto que até os anjos se entristecem, fogem-me as palavras. Ontem fomos, hoje somos, amanhã seremos e, depois não mais. Não mais aqui… Aqui, onde voa o tempo, onde correm os homens, atrás de…ad infinitum querer. Quem de nós dois, simples mortais? Atrás de “coisas” para ter o quê? Se olhassem pra dentro, menos precisariam. Buracos vazados igual peneira. Fome que não cessa diante de um banquete. Sede, sede…até na praia morrer. Mas, ainda nos resta a alma. Esta é perene, esta és tu! Disfarçada de arcanja, ninfa, esfinge, neste mundo oco e crú. E quando chegar a hora derradeira, de nascermos ou acordarmos em um mundo que comporte tu e eu, finalmente, uma certeza…Fora daqui, não há cor, nem vida. Ninguém vive sem um dia cinzento. Em um dia assim, até os anjos ficam sem ação. Feliz mesmo, é um reles mortal como eu, que se enamora ad infinitum da ilusão."



Marinez Full

segunda-feira, 4 de março de 2013



Tens a medida do imenso?
Contas o infinito?
E quantas gotas de sangue
Pretendes
Desta amorosa ferida
De tão dilatada fome.

Tens a medida do sonho?
Tens o número do Tempo?
Como hei de saber do extenso
De um ódio-amor que percorre
Furioso
Passadas dentro do vento?

Sabes ainda meu nome?
Fome. De mim na tua vida.



Hilda Hilst in Cantares

sábado, 2 de março de 2013




Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também...nem eu sei quando...

Florbela Espanca