sexta-feira, 21 de dezembro de 2012



 



E quando eu visto minhas imagens com palavras
você as despe, pois só me conhece assim: nua.
Temos uma história de amor,
mas nunca fui tua.
Nós nem sequer queremos ter além do que temos:
gargalhadas no café da manhã,
confissões na hora do almoço,
e o “boa noite” demorado com gosto de beijo e afago:
coisas que só consegue fazer de longe quem te guarda dentro,
quem está sempre à espreita, ao lado.
Você tão menino com suas estratégias
pra me fazer rir das minhas pequenas tragédias.
Você homem imenso na assertividade:
esqueço que já sou mulher
e viro tua garota, menina estabanada
sem sabedoria, sem verdades.
E a gente sabe que nossas Almas já se abraçavam
desde de a existência de uma janelinha fechada.
E eis que surge a tua face
e a carícia, e a saudade.
Nenhum assombro,
tudo fez sentido.
Eu já te conhecia:
era você que me acalmava
quando acariciava as minhas costas
até que eu dormisse em paz,
naquele sonho.



Marla de Queiroz

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012




À ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos

vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso

conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso

agora
que mais
me poderei vencer?


Mia Couto

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012



"Eu pensei na maravilha que seria quando ao estar contigo o tempo parasse de contra correr. Depois pensei: quem sabe, se nós dois conseguíssemos ressignificar o real sentido do tempo fazendo ele andar a nosso favor. Logo em seguida me veio a idéia de que o problema está justamente na necessidade incontestável que temos o tempo todo de ter que dar sentido a tudo e, que isso acaba por nos tomar um tempo danado. Por fim, concluí que o que faz mesmo o tempo nos atropelar é o desejo desmedido que possuímos de nos fazer durar no lugar de simplesmente deixar rolar. "


Marinez Full

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012



"Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida"


Mia Couto

domingo, 2 de dezembro de 2012



O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -
sai para fora do coração
ardendo de pureza -

pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor -
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:

o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.


Allen Ginsberg in Canção