segunda-feira, 30 de janeiro de 2012





"Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci."



Mario Quintana in Espelho Mágico


30/01/- Dia da Saudade

domingo, 29 de janeiro de 2012



"Guardo o meu amor por dentro. É precioso. Pensar nele faz com que eu tenha vontade de cuidar de mim mesmo – então é bom. Guardando, guardando, feito jóia. Precioso, delicado. Meus dias têm sido claros. Lembro de um velho samba-canção: "Eu não peço nem quero / para o meu coração / nada mais que uma linda ilusão". Super sábio"


CaioFAbreu in Carta à Luciano Alabarse



"Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: faz de conta que eu não sofro..."


Martha Medeiros

sábado, 28 de janeiro de 2012




Talvez eu seja
O sonho de mim mesma.
Criatura-ninguém
Espelhismo de outra
Tão em sigilo e extrema
Tão sem medida
Densa e clandestina

Que a bem da vida
A carne se fez sombra.

Talvez eu seja tu mesmo
Tua soberba e afronta.
E o retrato
De muitas inalcançáveis
Coisas mortas.

Talvez não seja.
E ínfima, tangente
Aspire indefinida
Um infinito de sonhos
E de vidas.


Hilda Hilst



"Fugi. Eu não buscaria porque conhecia a queda, porque já caíra muitas vezes, e em cada vez restara mais morto, mais indefinido -e seria preciso reestruturar verdades, seria preciso ir construindo tudo aos poucos, eu temia que meus instrumentos se revelassem precários, e que nada eu pudesse fazer além de ceder. Mas no meio da fuga, você aconteceu."


CaioFAbreu in O Inventário do Irremediável



"...O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade."



CaioFAbreu in Em Memória a Lilian - Pequenas Epifanias


"... tantas memórias. A gente tem tantas memórias. Eu fico pensando se o mais difícil no tempo que passa não será exatamente isso. O acúmulo de memórias, a montanha de lembranças que você vai juntando por dentro. De repente o presente, qualquer coisa presente. Uma rua, por exemplo. Há pouco, quando você passou perto de Pinheiros eu olhei e pensei: eu já morei ali com o Beto. E a rua não é mais a mesma, demoliram o edifício. As ruas vão mudando, os edifícios vão sendo destruídos. Mas continuam inteiros dentro de você. Chega um tempo, eu acho, que você vai olhar em volta sem conseguir reconhecer nada."



CaioFAbreu in Caio 3D: o essencial da década de 1990

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012




"...estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil..."



CaioFAbreu in Carta Anônima- Pequena Epifanias



"A vida me dava pena, e eu não sabia que o corpo ("meu irmão burro", dizia São Francisco de Assis) podia ser tão frágil e sentir tanta dor."



CaioFAbreu in Última Carta Para Além dos Muros


...
"Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã."



Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012





"de alguma forma a gente soube
(ou saberá)
que o tempo da espera
é o caminho de se encontrar."



Cáh Morandi


"É, amigo, mas ela anda longe, perdida num mundo lírico e confuso, cheio de canções, aventura e magia. E você nem sequer toca a sua alma..."


Vinícius de Moraes in Testamento

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012



"Eu te conheço até o osso por intermédio de uma encantação que vem de mim para ti.
Só há uma coisa que me separa de você: o ar entre nós dois. Às vezes para ultrapassar esse quase cruel afastamento, eu respiro na tua boca que então me respira e eu te respiro. Mas só por um único instante, senão sufocaríamo-nos: seria o castigo que se recebe quando um tenta ser outro."



Clarice Lispector in a Hora da Estrela



"Meus pés iriam com flores andar sobre o teu silêncio."


Hilda Hilst



"Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por enquanto nada acontecia, os dois não sabiam inventar acontecimentos. Sentavam-se no que é de graça: banco de praça pública. E ali acomodados, nada os distinguia do resto do nada."



Clarice Lispector in A Hora da Estrela

terça-feira, 24 de janeiro de 2012




"Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.
E sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Estou sendo antimelódica. Comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos contrários. Para onde vou? e a resposta é: vou."



Clarice Lispector in Água Viva



"Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos."



Clarice Lispector in a Descoberta do Mundo



"A noite de hoje está me parecendo um sonho.
- Mas não é. É que a realidade é inacreditável."


Clarice Lispector in Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012



"E o seu amor que agora era impossível, que era seco como a febre de quem não transpira era amor sem ópio nem morfina. E 'eu te amo' era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé."



Clarice Lispector In a Descoberta do Mundo



"E é tão difícil mudar. Às vezes escorre sangue."



Clarice Lispector in A Descoberta do mundo


"A culpa minha, maior, é meu costume de curiosidade de coração.
Isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpece"


João Guimarães Rosa in Grande Sertão Veredas

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012


"Acendo uma vela branca procê ir embora numa boa.
Abro as janelas e ponho bem alto você cantando ‘Primeiro Jornal’, porque é assim que quero te guardar,juntando tua voz matinal aos restos dos sons noturnos que ainda boiam na casa.
Não tenho medo da morte. Tenho medo da vida. Baixinha, foi tão de repente...
Maninha, precisava ser agora? Em pleno verão, o sol quase em Aquário. Sei que teu coração não aguentava mais tanta barra. Sacanagem.[...]O dia não conseguiu chover: eu queria agora chorar todo o choro que o dia não chorou por ti. Não consigo.[...]O tempo existe, Pimentinha, e passa, leva no arrastão as coisas e as pessoas que não morrem: ficam encantadas. Y solo resta el silencio, un ondulado silencio...
Nós te amávamos tanto, tanto. Guria. Até."






Em 1982, após a morte de Elis, Caio F. declarou:

“Colaborei com a seção de literatura da Veja durante cerca de quatro anos. E pedi demissão quando morreu Elis Regina. Imagino que todo mundo lembre da capa da Veja na época. “Elis Regina, a tragédia da cocaína” – onde tratavam Elis como uma viciada irrecuperável. Coisa de gente não só careta como também mau-caráter. Liguei para o editor de literatura e disse: ‘Por favor, vá dizer ao seu patrão que não quero nunca mais ver meu nome numa revista desse nível.'"


Do Livro: Para sempre teu, Caio F. Cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012



"...era um bicho, um bichinho desses ariscos.[...] É preciso cuidado com o arisco, senão ele foge. É preciso aprender a se movimentar dentro do silêncio e do tempo. Cada movimento em direção a ele é tão absolutamente lento que o tempo fica meio abolido. Não há tempo. Um bicho arisco vive dentro de uma espécie de eternidade. Duma ilusão de eternidade. Onde ele pode ficar parado para sempre, mastigando o eterno."


CaioFAbreu in Pela Noite - Triangulo da águas


"Frente ao espelho, é com recato que tranço meus longos cabelos, enquanto a ponta de meus frágeis dedos de unhas curtas, às vezes roídas, acaricia o roxo das olheiras, herança de solitárias insônias. Depois busco um lugar junto à janela, pouso o rosto sobre uma das mãos e com a outra vou traçando riscos tristes pelas vidraças sempre embaçadas, por vezes grafo nomes de lugares e gentes que nunca conhecerei, sóis fanados atrás de nuvens débeis, flores doentias, estrelas opacas, talos quebradiços, plátanos desfolhados, olhos profundos, rostos apoiados em mãos magras como as minhas, identifico enquanto meus dedos riscam e riscam e riscam sem parar o inefável."


CaioFAbreu in 3 x 4 Liége - Morangos mofados

A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou se mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro


Affonso Romano de Sant'Anna

terça-feira, 17 de janeiro de 2012



"Presta atenção. Você percebeu. O sax é o soco.[...]
E volta o sax. Quando volta o sax, volta o soco. Mas não um soco duro, você me entende? Um soco manso. [...]Tudo macio. Não há ruído. Só uma coisa fofa. Uma dor lenta, vaga. Uma dor que começa a ser dor só aos poucos, não de repente, porque é aos poucos que você começa a perceber que ela existe, a dor."


CaioFAbreu in Pela noite – Trinagulo das águas

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012



"Ninguém suspeita de meu segredo, caminho severa pelas calçadas,
olhos baixos para que minha sede não transpareça.
(...) ninguém me adivinha assim como tenho andado - castamente cinzelada no topo deste morro onde os ventos não cessam jamais de uivar, tendo entre as mãos, como quem segura lírios maduros dos campos, uma espera tão reluzente que já é certeza."


CaioFAbreu in Morangos Mofados

domingo, 15 de janeiro de 2012




"E de tudo que foi restando nesses anos todos, continua sabendo que sabe que fica lá o lugar onde poderia encontrá-lo outra vez. Do outro lado, onde com os olhos abertos ela vê com os olhos fechados e inteiramente nua, encostada ao ombro dele, que dorme inteiramente nu também, mas a vê-la dentro do sono."


CaioFAbreu in Onírico - Ovelhas negras

Gal Costa - Ensaio - "Saudosismo"


'Sei lá. O que sei mesmo é que continuo não gostando de barulho.
Naquelas horas em que preciso de paz & concentração, corro a colocar João Gilberto na vitrola. Meu preferido é aquele gravado com o sax do Stan Getz.
Agora, para chafurdar numa boa dor-de-cotovelo, com se dizia antigamente, você pode experimentar Billie Holiday, Angela Ro Ro (onde andará?), Maria Bethânia - mas só quando chegar na velha e boa Maysa terá certeza absoluta que seu mundo caiu.
E todas essas coisas me fazem pensar em Gal cantando um velho Caetano, aquele assim:
¨Eu, você, João, já temos um passado, meu amor,
a bossa, a fossa, a nossa grande dor,
como dois quadradões...¨'



CaioFAbreu in A Bossa e a Fossa, Artigo publicado na extinta revista Gallery Around

sábado, 14 de janeiro de 2012




"Foi quando te tomei nos braços
e sentindo o meu completo faltar no abraço
entendi que de mim você só queria as miudezas
e eu me queria em você,
um pouco mais."


Priscila Rôde

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012




"Faz-se necessário avançar. Mas tudo impede o avanço. E dói."


CaioFAbreu in Itinerário - Inventário do Irremediável


"No vácuo de mim eu me despenco. Porque seria preciso também abdicar de mim mesmo para novamente reconstruir-me."


CaioFAbreu in Itinerário - O Inventário do Irremediável

"Elevo-me na fonte seca e na luz fria".


Clarice Lispector in Um Sopro de Vida

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Nina Simone - The look of love




‎"Eu jogo minha última ficha na máquina de música, no último blues. Ninguém vê, ninguém ouve mais nada na manhã que chega para adormecer loucuras. Amanhã, você lembrará?"


CaioFAbreu in O Rapaz mais triste do mundo - Os Dragões não conhecem o paraíso


"...como numa orgia, como num vício, como numa tara, como num inconfessável ritual sadomasoquista, Ele entregava-se aos blues amargos, cafés fortes e tabacos lentos."


CaioFAbreu in Morangos Mofados


"... essa música indefinida machucando por dentro, como se estivesse desde sempre aqui, escorregando devagar, as notas feito pingos de chuva na vidraça abaixada."


CaioFAbreu in Fotografia - O Inventario do Irremediavel



"Foi um sonho tão forte que acreditei nele por minutos como uma realidade. Sonhei que aquele dia era Ano Novo. E quando abri os olhos cheguei a dizer: Feliz Ano Novo!
Não entendo de sonhos. Mas este me parece um profundo desejo de mudança de vida. Não precisa ser feliz sequer. Basta ano novo. E é tão difícil mudar. Às vezes escorre sangue."


Clarice Lispector in A Descoberta do Mundo



"Amar quem teme o amor é como se apaixonar por uma sucessão de desistências..."



Marla de Queiroz

terça-feira, 10 de janeiro de 2012




"Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse."


Clarice Lispector in Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres



Numa esquina do Labirinto
às vezes
avista-se a Lua.
"Não! como é possível uma lua subterrânea?"
(Mas cada um diz baixinho:
Deus te abençoe, visão...)



Mario Quintana in Esconderijos do Tempo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012



"... dançar de rosto colado, pegar na mão à meia-luz, desenhar com a ponta dos dedos cada um dos teus traços, ficar de olho molhado só de te ver, de repente e, se for preciso, também virar a mesa, dar tapa na cara, escândalo na esquina, encher a cara de gim, te expulsar de casa e te pedir pra voltar."



CaioFAbreu in Caderno 2 – OESP – 1987

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012




"Ah, meu amor, as coisas são como são.
Eu estava embriagada de chuva, úmida de saudade, você não veio (...)
Porque temos jeitos diferentes de estragar as coisas..."



Marla de Queiroz



"Talvez, afinal, eu devesse começar a acreditar em milagres. Em rezas, em sonhos, em delírios."



CaioFAbreu in Onde andará Dulce Veiga?


"No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua."


CaioFAbreu in Carta Anônima - Pequenas Epifanias



"Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão."


CaioFAbreu in Crônica - Pequenas Epifanias