sexta-feira, 13 de abril de 2012


"Nesse fio estreito, esticado feito corda bamba, nos equilibramos todos. Sombrinha erguida bem alto, pé ante pé, bailarinos destemidos do fim deste milênio pairando sobre o abismo.
Lá embaixo, uma rede de asas ampara nossa queda."



CaioFAbreu in Segunda carta para além dos muros-OESP 08/07/1986



"...sou o silêncio imenso dos desertos; sou o inverno que desconhece o tempo de partir e permitir a primavera. Sou o segundo ante a sentença de culpa ou absolvição. Sou silêncio porque sou melhor não dizendo nada. Sou melhor sendo aridez a vendaval. Sou mais fácil sendo a queda do que caminho. O que sou me alivia das farpas que um dia fui; semente que para ser jardim, aguarda a sua própria morte; sou a árvore órfã de seus frutos. Carrego um espaço vazio em que o Amor deveria preencher; mas sou casa abandonada em que vivo com todos os tons de cinza de que meu silêncio é feito; uma sombra cansada de existir quando, no silêncio de nós dois, você me disse adeus."



Guilherme Antunes

segunda-feira, 9 de abril de 2012


"O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto."



Clarice Lispector in Um Sopro de Vida

"Libertar" era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores."


Clarice Lispector in a Bela e a Fera



"...eu comecei a lembrar, lembrar, lembrar e o meu pensamento parecia um parafuso sem fim, afundando na memória, eu não suportava mais lembrar de tudo o que se perdeu, tudo o que perdi, não fui e não fiz, mas não conseguia parar."


CaioFAbreu in Carta para além do muro



"Em direção a quê? Depois de subidas e descidas, em direção àquele insuportável ponto seco de agora."


CaioFAbreu in Os sapatinhos vermelhos


"Um dia alguém me contou que quando era criança chorava quando ouvia ou lia a palavra derradeiro. Acolhi com ouvido de poesia. E sorri, dentro, com ternura por essas singularidades lindas de cada um. Mas sorri muito mais porque adulta, diante de cada experiência derradeira que a vida desembrulha, geralmente choro também.
Às vezes, à beça, por outros tantos instantes derradeiros.
Memória de choro é vasta."


Ana Jácomo

terça-feira, 3 de abril de 2012




"...há muito tempo não sentia frio. Fizera seu aprendizado de solidão enquanto as coisas sentidas a cada dia tornavam-se mais e mais semelhantes, para finalmente permanecerem numa massa informe a escorrer monótona por dentro dele, alterando-se apenas em insignificantes cintilações cotidianas. Apenas reagia. Tudo ali estaria para sempre excessivamente silencioso para que se pudesse soltar um grito ou chorar sozinho no escuro, como nos primeiros tempos. E ainda que gritasse: o silêncio seria maior e mais desesperado que qualquer grito"



CaioFAbreu in O Afogado - O ovo apunhalado