segunda-feira, 30 de julho de 2012



"Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como – eu estou aqui, eu te toco também."


CaioFAbreu in OESP - Caderno 2, 29 julho de 1987


domingo, 29 de julho de 2012



No meu sonho você chegava. Sim, eu senti o teu cheiro. Não aquele que tenho gravado no meu córtex olfativo.  Aquele que se sente quando,  pelos passos,  o vento faz um leve sopro. Tão perfeitos são os sonhos.  


Ana Dal

sábado, 28 de julho de 2012


"E não sei o que dizer, Zézinho, não tô bem. Isso é uma coisa que eu posso dizer, tendo certeza dela. Mas é também uma coisa pela qual você não pode fazer nada, e de pouco adianta eu dizer. Ô, Zé, ando tão desorientado, já faz tempo. E me escondo, e não procuro ninguém, e fico mastigando a minha desorientação."


CaioFAbreu in Carta à José Márcio Penido
 
 
"Então, admitiu o medo. E admitindo o medo permitia-se uma grande liberdade: sim, podia fazer qualquer coisa, o próximo gesto teria o medo dentro dele e portanto seria um gesto inseguro, não precisava temer, pois antes de fazê-lo já se sabia temendo-o, já se sabia perdendo-se dentro dele — finalmente, podia partir para qualquer coisa, porque de qualquer maneira estaria perdido dentro dela."


CaioFAbreu in A gravata - O ovo apunhalado

sexta-feira, 27 de julho de 2012


"No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio."


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 26 de julho de 2012



Das  últimas esperanças  arranco o néctar para, no meio da madrugada gelada, sair em busca  do  que resta do meu irmão  consumido pelo álcool.  Entre convulsões, alucinações e  bichos imaginários, os olhos  imploram ajuda.  Tremores no corpo. São maiores os t(r)emores da alma. Dignidade perdida pelos botecos fétidos.  Nas lágrimas, a lembrança de ter esquecido  o aniversário do filho, tão lindo como ele foi um dia.  Olhos perdido no tempo. Digo-lhe que ainda tem tempo. Para tudo tem tempo.  Minto.  Só  o  que  resta de mim, que também tem "vícios" que  consomem,   alimentado  no néctar da minha esperança ,   é  que  acredita.  O poeta disse que a esperança é uma droga alucinógena.  Tomara que  ele acredite.


Ana Dal

quarta-feira, 25 de julho de 2012


Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati a segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.

O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 22 de julho de 2012



Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?

O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?



Carlos Drummond de Andrade in As Impurezas do Branco

quarta-feira, 18 de julho de 2012




Eu te amo como quem esquece tudo
diante de um beijo:
as inúmeras horas desbeijadas
os terríveis desabraços
os dolorosos desencaixes
que meu corpo sofreu longe do seu.
Elejo sempre o encontro
Ele é o ponto do crochê.
Penélope invertida
nada começo de novo
nada desmancho
nada volto
Teço um novo tecido de amor eterno
a cada olhar seu de afeto
não ligo para nada que doeu.
Só para o que deixou de doer tenho olhos.
Cega do infortúnio
pesco os peixes dos nossos encaixes
pesco as gozadas
as confissões de amor
as palavras fundas de prazer
as esculturas astecas que nos fixam
na história dos dias


Elisa Lucinda


Ontem passou o passado lentamente
com sua vacilação definitiva
sabendo-te infeliz à deriva
com tuas dúvidas estampadas na testa.

Ontem passou o passado pela ponte
e levou tua liberdade prisioneira
trocando seu silêncio em carne viva
por teus leves alarmes de inocente.

Ontem passou o passado com sua história
e sua desfiada incerteza
com sua pegada de espanto e de reprovação.

Foi fazendo da dor um costume
semeando de fracassos tua memória
e deixando-te a sós com a noite


Mario Benedetti

terça-feira, 17 de julho de 2012



"Ele abriu os olhos. E acolheu todos os sentimentos, mesmo o medo. Não queria ficar só. Virou o rosto contra o travesseiro, sentindo o contato com a fronha limpa. As lágrimas molhavam o pano, mas eram um consolo. As paredes não riam mais. Um sentimento novo encolhia-se dentro dele, em atitude de espera. Não sabia dar-lhe nome, mas isso não era essencial. O essencial que estava dentro dele, o novo sentimento — quente, amável — como se apontasse um caminho com o dedo em riste."




CaioFAbreu in Limite branco



Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.

O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascerá de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados,
livre de pálpebras, e num país sem muros.

Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah, quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!


Cecília Meireles  - Luar póstumo  In  Poesia Completa

domingo, 15 de julho de 2012




"Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
Uma despedida pronta a cumprir-se."



Cecília Meireles in Elegia

sábado, 14 de julho de 2012




Meu delito

Quero-te, não quero, renego o desejo de querer.
Tesão que reverbera e me leva à estratosfera,
me faz tremer.
Culpo-te por me seduzir, por me aturdir,
por me provar sem consumir.
Enlouqueço, despeço-te, arrependo-me.
Para ti volto correndo.
Sinto o teu desejo por mim se resumir.
Luto contra  o vício da paixão que me
aprisiona. Sofro de obsessão.
Faço das minhas as tuas vontades.
Não obtenho reciprocidade e me sujeito à submissão.
Quero-te, renego-te
fugindo tomo rumo andando em círculos.
Volto para ti e me contradigo.
O meu delito é gostar de ser tua.
Encontro-te forte e verticalizado.
Me tomas dominada e me invades em carne crua.



Marinez Full  in  Coquetel molotov

quarta-feira, 11 de julho de 2012



"Ó tirânico Amor, ó caso vário
Que obrigas um querer que sempre seja
De si contínuo e áspero adversário..."


Luiz Vaz de Camões

terça-feira, 10 de julho de 2012




"E para que tudo não doesse demais quando não era capaz de, apenas esperando, evitar o insuportável, fazia a si próprio perguntas como: se a vida é um circo, serei eu o palhaço?"




CaioFAbreu in Aconteceu na praça XV – Pedras de Calcutá



"Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada."




Hilda Hilst



sábado, 7 de julho de 2012



"Desejarás desvendar palmo a palmo esse corpo que há tanto tempo supões, com essa linguagem mesmo de história erótica para moças, até que tua língua tenha rompido todas as barreiras do medo e do nojo, subliterário e impudico continuas, até que tua boca voraz tenha bebido todos os líquidos, tuas narinas sugado todos os cheiros e, alquímico, os tenhas transmutado num só, o teu e o dele, juntos - luz apagada, clichê cinematográfico, peças brancas de roupa cintilando jogadas ao chão."



CaioFAbreu in Natureza Viva - Morangos mofados


quinta-feira, 5 de julho de 2012



"Sairia então pela noite levando uma sensação esquisita, quase nova, dentro do peito, essa armadilha de que não gostava, o passado abrindo súbito seu baú mofado para trazer de volta fantasmas esquecidos"




CaioFAbreu in Triângulo das águas


[...]
Vocês aí parados
a mesma vida de sempre,
como vos invejo e vos desprezo,
voz de nós, voz dos meus avós,
prazos, prêmios, praças, preços,
chove sobre mim
a chuva que eu mereço.
Invoco forças poderosas.
Quando vou poder
transformar minhas ruínas em rosas ?


Paulo Leminski





“Voltavam a doer, os ferimentos, quando ameaçava chuva.”



CaioFAbreu in Os dragões não conhecem o paraíso

segunda-feira, 2 de julho de 2012




“Ele chorou um pouco. Era um belo homem, com barba por fazer e abatidíssimo. Via-se que havia fracassado. Como todos nós. Ele me perguntou se podia ler para mim um poema. Eu disse que queria ouvir. Ele abriu uma sacola, tirou de dentro um caderno grosso, pôs-se a rir, ao abrir as folhas. Então leu o poema. Era simplesmente uma beleza. Misturava palavrões com as maiores delicadezas. Oh Cláudio – tinha eu vontade de gritar – nós todos somos fracassados, nós todos vamos morrer um dia! Quem? Mas quem pode dizer com sinceridade que se realizou na vida? O sucesso é uma mentira”.



Clarice Lispector in A via crucis do corpo


 "Cada leitor tem com Clarice Lispector seu próprio encontro, individual, secreto, íntimo.[...]
Em toda a sua obra, há um encorajamento em direção às pequenas e grandes verdades, ao ato de vasculhar o material menos brilhante de que somos feitos.[...]
Depois de Clarice Lispector, passamos a exigir mais da literatura e mais de nós mesmos. A exemplo de Macabéa, sentimos na pele o destino de instáveis criaturas vivendo às custas de um narrador que, não sabendo o que fazer, atropela-nos e foge. Na calçada, porém, junto ao sangue ainda quente, uma vela é acesa, uma linha continua a ser escrita. São os atos gratuitos, esses que nos salvam a humanidade."


Adriana Lunardi - O eterno direito ao grito

domingo, 1 de julho de 2012




 "...eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.”



CaioFAbreu in Além do ponto - Morangos mofados