quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

 

 

Quando eu era criança
eu sonhava em ser invisível.
Hoje, já crescida,
eu sonho em ser menos olhos crédulos
e mais senso analítico.
Quem sabe ser um pouco de carne e osso,
... só um pouco, pra não esmorecer a cada desilusão.
Ser razão e emoção na medida exata,
ser tátil, sinestésica,
menos palavras e mais compreensão.

Quando eu era criança eu sonhava em voar.
Eu queria ter asas, poder ir e voltar pra me reabastecer,
nem muito e nem pouco com um tanto
de todos que eu gosto.
Agora que sou adulta eu percebi que gostar
cria cola e puxa a gente pra baixo
grudando nossos dois pés no chão,
fazendo pouca diferença
se temos asas ou não.

Com o passar do tempo eu me tornei
menos fantasia e mais realidade.
E mesmo sem asas eu continuo indo e voltando
pra os meus antigos e novos amores.
Sem liga e nem cola não há nada
que me prenda em algum lugar.
Porque hoje, eu sou apenas liberdade.


Marinez Full

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013






Que dor desses calendários
Sumidiços, fatos, datas
O tempo envolto em visgo
Minha cara buscando
Teu rosto reversivo.

Que dor no branco e negro
Desses negativos
Lisura congelada do papel
Fatos roídos
E teus dedos buscando
A carnação da vida.

Que dor de abraços
Que dor de transparência
E gestos nulos
Derretidos retratos
Fotos fitas

Que rolo sinistroso
Nas gavetas.

Que gosto esse do Tempo
De estancar o jorro de umas vidas.


Hilda Hilst in Cantares de perda e predileção

 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013



Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera…


Cecília Meireles

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013




Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.



Hilda Hilst in Júbilo, memória, noviciado da paixão



terça-feira, 1 de janeiro de 2013


Mãos

Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.


Sophia de Mello Breyner